Episódios de seca e calor extremos atingirão 90% da população mundial

Um estudo recente revela uma chocante percentagem da população mundial que pode vir a ser afetada pelos impactos combinados de ondas de calor e secas extremas, no futuro, ampliando as desigualdades sociais. Saiba mais pormenores aqui!

Seca extrema; Portugal
Efeitos da seca extrema em Foz de Alge, Figueiró dos Vinhos, Portugal (2022).

A ameaça mais traiçoeira representada pelas alterações climáticas pode estar em como estas intensificam os perigos existentes, tornando todos os nossos problemas, conflitos e vulnerabilidades cada vez mais difíceis de lidar.

Alguns exemplos recentes ilustram-no, como por exemplo os incêndios florestais intensificados por ondas de calor, as pressões migratórias de âmbito climático, os riscos associados a doenças biológicas infecciosas, como pandemias, as secas extremas cada vez mais prolongadas no tempo, entre outros.

Saiba então que se está a ler este artigo, há uma probabilidade de 90% de morar num lugar que sofrerá futuros fenómenos meteorológicos extremos de calor e seca devido às alterações climáticas, aponta um recente estudo publicado na revista Nature Sustainability.

À medida que o atual período de desregulação climática, acelerado pela ação do Homem, continua a cozinhar lentamente o planeta, os especialistas preveem que os eventos climáticos potencialmente catastróficos se tornarão cada vez mais normais.

A ameaça traiçoeira dos riscos conjuntos

No estudo publicado, os autores explicam que, à medida que a temperatura do planeta continua a subir, haverá "riscos combinados", ou seja os eventos meteorológicos adversos serão mais comuns e alguns específicos, como fenómenos combinados de calor e seca extremos, em que a falta de disponibilidade hídrica alimenta o aumento das temperaturas e vice-versa, serão mais habituais e terão impactos cada vez mais severos.

Através da observação de imagens de satélite, medições de campo e reanálise, o estudo demonstra que o armazenamento de água terrestre e a temperatura estão negativamente ligados, provavelmente impulsionados por condições atmosféricas semelhantes.

Seca extrema; Península Ibérica
A seca vivida no ano passado fez mostrar de novo a antiga aldeia espanhola de Aceredo, na barragem do Alto-Lindoso.

No entanto, é mais provável que os limites na disponibilidade de água desempenhem um papel mais importante em restringir a captura de carbono do que os extremos de temperatura.

Os autores do estudo preveem que a frequência deste tipo de eventos deve aumentar dez vezes globalmente, num cenário de emissões de gases com efeito de estufa mais altas, juntamente com um impacto negativo desproporcional na vegetação e na produtividade socioeconómica, a verificar-se no final do século XXI.

Assim, chegam à conclusão que grande parte da população mundial será afetada por este problema, mais de 9 em cada 10 pessoas no planeta habitam áreas que serão duramente atingidas por episódios de secas extremas e ondas de calor.

De acordo com o estudo, as ameaças conjuntas de calor e seca colocam as sociedades e os ecossistemas num risco muito maior do que quando qualquer uma delas é considerada de forma independente.

Estas ameaças conjuntas podem ter impactos socioeconómicos e ecológicos graves que podem agravar as desigualdades sociais, uma vez que se prevê que tenham impactos mais graves nas populações mais pobres e nas zonas rurais.

"Entender as ameaças combinadas num planeta Terra em aquecimento é essencial para a implementação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU, em particular o ODS 13, que visa combater as alterações climáticas e os seus impactos" - Louise Slater, autora do estudo (adaptado).

As recentes notícias positivas, atribuídas ao Protocolo de Montreal, quanto à recuperação da camada do ozono e da redução significativa da emissão de gases de efeito de estufa, como clorofluorcarbonetos, desde 2018, demonstram que estes avanços podem provocar uma desaceleração das tendências existentes em relação às emissões de carbono, mas isso não significa que todas as consequências das alterações climáticas possam ser evitadas e que os piores cenários estejam afastados.

E quais são os cenários potenciais?

Como observam os autores do estudo, as suas conclusões apresentam um amplo espectro de cenários potenciais, do pior e mais preocupante caso (a humanidade não faz nada para reduzir as emissões) ao melhor e mais agradável contexto (os impactos negativos dos danos causados até agora são limitados).

O pior dos casos possíveis seria se áreas densamente povoadas experimentassem a chamada "temperatura de bolbo húmido", de mais de 35 °C, que poderia provocar a morte a vários seres humanos saudáveis, dentro de algumas horas.

Isto é significativo, uma vez que a "temperatura do bolbo húmido" é determinada pela combinação da temperatura do ar seco (a que se vê num termómetro) com a humidade do ar, pela medição da temperatura de um termómetro húmido ou do bolbo ou sensor do mesmo sob uma superfície ou local húmido.

Uma temperatura de bolbo húmido de 35 °C não é como uma temperatura normal de 35 °C, onde um ser humano pode, sob certas circunstâncias, sobreviver a ela. Estima-se que equivalha a uma temperatura do ar de 40 °C e a uma humidade relativa do ar de 75%.

Neste cenário, os aumentos combinados na temperatura e na humidade serão tão grandes que todos aqueles que habitem as áreas por estes afetadas, correrão risco de vida, uma vez que os seus corpos não terão capacidade para libertar calor com rapidez suficiente.